São três da manhã e eu ainda estou tentando descobrir como é bom estar morto.As ruas estão escorregadias por causa da chuva, e a luz dos postes reflete no asfalto molhado como se Deus quisesse cobrir cada buraco habitado pelos homens com um halo.
Eu consigo ver um Carro fazendo a curva, um quarteirão depois da rua Locust.Posso até mesmo ler qual a placa daqui -jamais seria capaz de fazer isso quando estava vivo.No fim da rua eu vejo as árvores na praça Rittenhouse, e posso jurar que consigo contar cada folha, e cada gota de chuva em cada uma delas.
Eu vejo tudo, e tudo é tão belo.
Eu a vejo, também.Ela vestia um vestido negro e carregava um guarda-chuva preto, fechado.Eu começo a andar na direção da Praça, medindo meus passos para conseguir esbarrar nela enquanto atravessa a rua.Agora eu vejo os seus cabelos longos e posso sentir o doce cheiro que dele emana... vejo sua pele e o suave tom do seu rosto.ela deve ter uns 25 anos, parece um pouco cansada da vida, mas segue rateando pela estrada.Suas passadas são mecânicas.,mas eu me movo mais rápido.
Ela para de repente, e olha para o céu nublado,talvez esteja procurando uma resposta escondida entre os galhos nus das árvores do Parque.Talvez seja apenas o instinto animal de gritar "Predador!!"
Mas isso não importa. Eu estou bem perto agora, rua 20,19...
Ela esquece o céu e começa a andar novamente.Seus olhos encontram os meus a um quarteirão de distância e eu acho que ela sabe. Mas ela não pára novamente. Ela não se desvia. E eu vejo a dor e a esperança e a história escrita em sua face, no exato e derradeiro instante de uma vida que está para acabar.E eu me apaixono por ela.
Eu me apaixono assim todas as noites, e todas as noites eu acordo com o coração partido novamente.A culpa não é mais de ninguém. A culpa é só minha.a culpa é só minha....
V.A.M
"Na escuridão havia uma mente. A mente estava sozinha na escuridão, porque a escuridão era, em si, quase perfeita solidão. A mente não tinha corpo. Não tinha olhos com os quais ver que não havia nada ao seu redor para ver. Não tinha boca para gritar, e não tinha mãos para se segurar, sem sentido, por libertação. Era pensamento e memória, sozinha, sem ao menos a distração da agonia física."
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