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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010



O que dizer sobre a depressão? O que dizer sobre a melancolia? Parece que todos têm um saber sobre esta questão. Sempre que se trouxer este tema em discussão, tão certo haverá pessoas ‘’bem’’ informadas sobre esse assunto. De fato, não poderia ser diferente. Se este é o mal do século, como não o conheceriam aqueles que habitam neste século? O excesso de informações sobre este tema (e muitos outros) produz conhecimento, mas tal conhecimento parece ser mais um sintoma, sintoma de quem tem tanto para falar e nada a dizer, uma fala desprovida de qualquer conteúdo, uma fala vazia, fala de louco. Alguns dizem que há 1 bilhão de deprimidos no mundo. Será que as estatísticas estão corretas? Será que o número de casos de depressão é tão alto quanto se diz? Será que o ser humano ainda tem o direito de se angustiar, de ficar triste, de ficar indisposto sem ser rotulado de deprimido?


O ser humano é marcado pela angústia, que advém do desejo, que advém da falta. E assim como os ventos, que se movimentam pela falta (de pressão), a humanidade caminha pela via da falta. É a falta que nos insere em condição humana. Como herdeiros da perda, a falta é o elemento central que impulsiona a nossa entrada no universo simbólico, sendo a palavra sempre representante de uma ausência. Ora, então porque é que as pessoas lutam tanto contra a angústia, contra a falta, ou seja, contra si mesmos?


Urânia Peres diz que é curiosa a relação que se estabelece entre perda, luto e desejo, à qual podemos ainda articular a falta. Falta não apenas do que faz falta, mas também, enquanto culpa, pois sabemos que o sujeito padece de uma culpabilidade originária, como se fosse ele próprio o responsável pela sua perda. Freud se refere a um sentimento inconsciente de culpa. Lacan aponta a relação dessa culpa originária, o pecado original, com o gozo, ou seja, o que fica excluído do simbólico. Porque, então, lutar contra essa falta?


A sociedade nos deixa desamparados. Quanto mais apregoa a emancipação, sublinhando a igualdade de todos perante a lei, mais ela acentua as diferenças. Elizabeth Roudinesco afirma que ‘’a era da individualidade substituiu a da subjetividade, dando a si mesmo a ilusão de uma liberdade irrestrita, de uma independência sem DESEJO e de uma historicidade sem história. O homem de hoje se tornou o contrário de sujeito.’’ Se o ser humano sempre lutou contra as dores do mundo (ditadura, guerras, ideais), contra uma realidade externa aversiva, agora volta a sua luta contra a dor do ser, a depressão e a melancolia. Roudinesco continua: ‘’o ódio ao outro tornou-se sub-reptício, perverso e ainda mais temível, por assumir a máscara da dedicação à vítima. Se o ódio pelo outro é, inicialmente, o ódio a si mesmo, ele repousa, como todo masoquismo, na negação imaginária da alteridade.’’ De fato, a melancolia é caracterizada por um ódio a si mesmo, uma agressividade voltada para o ser.


Há tanto o que se falar da depressão e da melancolia. Mas precisamos antes delimita-las, posto que não são sinônimos. Desde Freud, nunca houve clareza diagnóstica e consenso entre a definição dos termos. Há quem diga que o termo melancolia nomeia formas graves de inibição motora e afetiva, assimbolia, dentro de uma cronicidade em que podem se alternar períodos de exaltação maníaca e de paralisia, ou seja, a denominada psicose maníaco-depressiva. Já o termo depressão pode aparecer indicando formas menos graves, quadros neuróticos bem definidos, ou sintomas que se manifestam nas neuroses. A depressão, então, é usada preferencialmente para designar sintomas.


Roudinesco afirma que a depressão não é uma neurose nem uma psicose, nem uma melancolia, mas uma entidade nova, que remete a um estado pensado em termos de fadiga, déficit ou enfraquecimento da personalidade. Rassial Jean-Jacques percebe uma fenomenologia de borda para estes transtornos, tendo em vista que há um estado limite, onde o sujeito mostra-se invadido por afetos contraditórios que o paralisam não somente em seus atos, mas em seu próprio ser. Todavia, afetado por uma angústia e por uma depressão insuperáveis, ele pode também responder com uma desafetação radical, que oscila entre uma apresentação neurótica, psicopática e esquizóide. De fato, tal dificuldade em situar a depressão nas estruturas conhecidas é uma marca da sociedade atual, onde não se tem definição alguma de nada.


Urânia Peres diz que é possível estabelecer duas grandes linhas interpretativas sobre a depressão, que se desenvolvem no inicio do século XX, a partir dos pensamentos de Freud e de Pierre Janet. A primeira, muito embora colocando ênfase na idéia de conflito, não deixa de apontar para o seu caráter estruturante, e a segunda para uma noção de insuficiência, uma deficiência inata. Surge então a visão psicanalítica e a visão psiquiátrica. E destacando a melancolia do campo das psicoses, criando a categoria das neuroses narcísicas, Freud introduz uma maneira de pensar que interroga os limites entre neurose e psicose. Freud parte do estudo das chamadas neuroses atuais, ou seja, a neurose de angústia e a neurastenia, provocadas por uma vida sexual insatisfatória. Ele constata que a angústia de seus pacientes está relacionada com a sexualidade. O coito interrompido, por exemplo, é fonte de angústia, uma angústia não prolongada ou recordada, ao contrário da histeria. Assim sendo, sua origem deve ser buscada na esfera física e não na psíquica, ou seja, é um fator físico da vida sexual que irá produzir a angústia, um acúmulo de tensão sexual por um bloqueio na descarga. Esse excesso de tensão sexual passa então por um processo de transformação, assim surge a angústia. Freud prossegue no estudo da melancolia, então, no raciocínio econômico e mecanicista, centrado na idéia de represamento ou descarga de energia física e psíquica. Os melancólicos, afirma, apresentam uma espécie de anestesia psíquica, e se na neurose de angústia o bloqueio é de energia física, no que toca a melancolia há que se pensar em uma tensão psíquica que não se satisfaz. Os melancólicos, diz ele, são frequentemente anestésicos, não apresentam desejo de coito, carecem de sensação de prazer, mas demonstram uma grande ânsia de amor em sua forma psíquica, uma tensão erótica psíquica. Freud chega a se referir de doze maneiras diferentes a esse tipo de sofrimento, e enumera uma séria de sintomas: apatia, inibição, pressão intracraniana, dispepsia e insônia, diminuição da auto confiança, expectativas pessimistas, entre outros. E muito embora não precisando de uma distinção entre melancolia e depressão, assinala a presença da anestesia psíquica na primeira e ausência na segunda.


A melancolia é apresentada como um luto pela perda da libido, e o efeito que produz é o da inibição psíquica com empobrecimento pulsional e dor. Karl Abraham estabelece um paralelo entre os estados de angústia e os depressivos e marca a presença de ambos tanto nas neuroses como nas psicoses. A angústia surge quando não há satisfação pulsional por causa do recalque, e a depressão devido ao abandono do objetivo sexual sem que tenha havido satisfação. Tanto uma como outra trazem uma tendência para negar a vida. A insatisfação com o objetivo sexual transmite um sentimento de não ser amado, assim, como uma incapacidade de amar.


O recalque do componente sádico produz uma incerteza nas relações afetivas, auto acusações e aumento das tendências masoquistas. Quanto mais intensos são os sentimentos de ódio inconscientes, maior a tendência para as idéias delirantes de culpa e sentimento depressivo. Assumindo uma posição passiva, o paciente acaba por obter prazer de seu sofrimento. A melancolia, então, traz uma fonte de prazer oculta.


Na relação luto-melancolia, Peres afirma que este primeiro é decorrente de uma perda real, morte ou abandono de uma pessoa querida, ou uma abstração que ocupe esse lugar, enquanto na melancolia encontramos uma perda mais ideal, não há clareza sobre o que realmente foi perdido. O melancólico pode saber quem ele perdeu, mas não sabe o que de fato perdeu.


Enquanto no luto o perdido é absolutamente consciente, na melancolia há uma perda que foi retirada da consciência, ou seja, é desconhecida.


Freud coloca que o complexo melancólico é comparado a uma ferida aberta que necessita de investimentos e acaba por empobrecer o eu. A tensão, então, entre o ideal de eu e as possibilidades reais do eu gera culpa, que se presentifica na melancolia de maneira muito severa. O melancólico aceita as reprimendas do seu supereu, admite a culpa e se castiga. Mas sua auto-censura, em verdade, é uma acusação dirigida ao outro. E de fato, o suicídio do melancólico é visto por Freud como um ato que representa um retorno a si de um ódio e de um desejo de matar o outro.


Lacan reforça a tese freudiana da melancolia como uma neurose narcísica, ou seja, é nos primórdios da constituição do eu – estágio teórico chamado narcisismo, pois toca na questão da relação com a própria imagem – que podemos situar esse acontecer. Ele nos oferece, através do estádio do espelho, o ponto de ancoragem onde algo pode falhar, não se constituir, o que comprometeria radicalmente a absorção do sentimento de si – sentimento que não está dissociado do sentido da vida. Tanto no discurso do melancólico como nas depressões ocasionais, a queixa da perda do sentido da vida é uma constante, assim como da desvalorização de si. O melancólico é, então, um enlutado na vida.


Os estudos que se seguiram tanto a Freud como a Lacan, na sua grande maioria, referem-se tanto à crueldade da figura materna no melancólico quanto à morte do pai, incorporação do pai morto, como ingredientes para esse sofrimento. Com relação ao complexo materno do melancólico, parecem haver freqüentes referencias às dificuldades que este tem com a figura da mãe. A mãe é sempre colocada nessa posição de Outro, nesse momento especular, e dessa mãe virá, por um olhar, pela voz, um sinal que ratifica ao infans a sua conquista. Se essa resposta não chega, e o olhar materno é vazio e transpassa o bebê, se a sua voz não transmite a harmonia que apazigua, há de se supor que algo da ordem de uma busca constante se cristaliza para a criança. A teoria lacaniana diz que, nesse momento, a criança é habitada pela pergunta: o que quer o Outro de mim para me reconhecer e me amar?


Já com relação ao complexo paterno, Urânia Peres afirma que o ser deprimido é uma criança esmagada por um pai onipotente, e que a interiorização da morte do pai morto é uma dimensão primordial da subjetividade depressiva, assim como da criatividade.


Apesar da explosão da depressão na atualidade, esta parece ser tão antiga quanto a humanidade, ou melhor, a tristeza é companheira do homem desde a sua origem. Urânia Tourinho Peres chega a afirmar que a depressão faz parte da própria estrutura humana. Todavia era o termo melancolia que imperava, termo surgido da teoria de Hipócrates sobre os quatro humores. A melancolia é a bílis negra, cuja alteração qualitativa ou quantitativa produz o quadro melancólico, caracterizado pelo medo e pela tristeza. Independentemente dos conceitos, a melancolia parece perseguir os grandes gênios da história. Parecia até ser condição de genialidade, do pensamento, da filosofia e da literatura. Parece que ‘’depressão e criação ficam indissociáveis: o homem triste é também o homem profundo, a alegria é superficial’’, afirma Peres. O cristianismo, desde as suas origens, mantém um culto à melancolia. Se por um lado ela é vista como pecado, por outro, pela via do misticismo, é considerada um caminho que conduz a Deus, sob a forma de acedia. Todavia, parece que o cristianismo, como reflexo da sociedade atual, está engajado na luta de criar a droga da felicidade. O êxtase espiritual toma esta forma. A tristeza é proibida dentro e fora da igreja, deve-se fazer de tudo para ser feliz.


Mas só podemos desfrutar a felicidade como um fenômeno episódico, pois somos limitados em nossa capacidade de senti-la. Entretanto, a infelicidade pode ser experimentada com muita facilidade, pois padecemos permanentemente de três grandes ameaças de sofrimento, de acordo com Peres: nosso próprio corpo, que nos envia sinais de alarme através da dor e da angústia devido a seu inevitável processo de envelhecimento; o mundo externo, que pode nos lançar ataques intensos e destruidores; e, finalmente, o desgosto decorrente de vínculos com outros seres humanos, que de todos os males é o mais ingrato. Assim, a busca pela felicidade acaba por se transformar, apenas, em um esforço para evitar a infelicidade: buscar o isolamento para evitar os conflitos com os semelhantes, tentar proteger-se das intempéries da natureza, procurando agir sobre a própria natureza e, por último, agir sobre o próprio organismo, quando ele mesmo faz parte dessa natureza. É justamente o que Freud trabalha em ‘’Mal estar na civilização’’.


O homem não vive sem o seu sofrimento. A tristeza, a depressão, a angústia, a falta, o desejo são constituintes da humanidade. Não há droga, ritual, conjuro ou qualquer outra coisa que tire essa essência. Pelo contrário, a droga parece criar a depressão nos dias de hoje. Por isso questiono o número de diagnósticos de depressão na atualidade. Até que ponto as indústrias farmacêuticas financiam a depressão? E até que ponto a depressão financia a indústria farmacêutica?
Será que as pessoas têm o direito de aproveitar a sua essência hoje em dia? Pode-se sentir tristeza, angústia, desamparo? Posso eu andar por estas vias sem cair nas vias da depressão ou da melancolia? O ser humano engajado e integrado não teme viver toda a sua potencialidade. E a receita de Freud para o sofrimento é: amem e trabalhem.

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Myself

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Deixe-me invadir a tua alma, e aos poucos como sombras me misturar em tua essência, elevar-te ao prazer e consumir os teus desejos com o fogo ardente da eternidade.